Merkel referiu recentemente que Portugal tem licenciados a mais. Ora, antes de mais devemos analisar pragmaticamente os números em causa. Em termos de nível máximo de escolaridade da população, verificamos que apenas 40% da população ativa portuguesa tem o ensino secundário completo ou mais (sendo este o valor mais baixo da UE – somente Malta está próxima com 41%). A média da UE para esta estatística era, em 2013, de 75%. Se este dado só por si é assustadoramente revelador do défice educacional do país, imagine o leitor que os progressos recentes têm sido fenomenais, já que esta percentagem era de 29% em 2004.
Se nos cingirmos apenas aos dados do Eurostat sobre educação terciária, verificamos que na população entre os 18 e 64 anos apenas 18,7% tem esse nível, contra a média da UE de 26,4%, ou seja, estamos ainda cerca de 8 pontos abaixo da média em termos de percentagem de licenciados (ou mais) na população ativa. Apenas no que toca à população com menos de 30 anos nos encontramos perto da média europeia (16% para 19% da UE).
Há quem tinha referido que talvez o comentário de Angela Merkel estivesse ligado à ausência de formação em áreas técnicas ou em cursos técnicos pós-secundários. Talvez esta ideia tenha alguma validade, pois existe ainda um longo caminho a percorrer nesta área. Contudo, há algo subjacente à generalização do treino técnico especializado que demonstra uma terrível miopia estratégica (e no nosso Governo há quem necessite, bem rápido, de óculos). Percebemos hoje que muitas profissões técnicas irão a médio-prazo desaparecer devido à “robotização” da economia e sabemos também, que em determinadas áreas, o conhecimento técnico fica obsoleto em cinco ou menos anos. Formar pessoas em certas áreas seria o equivalente a fornecer a alguém, nos anos 80, competências de datilografia nas usuais máquinas de escrever para alicerçar o seu futuro (que viria a ser baseado no uso de computadores e processadores de texto).
Estima-se que durante a sua vida profissional, em média, os jovens de hoje irão ter 10 a 15 empregos, em áreas díspares. Apesar de tudo isto, alguns insistem que “treinar” pessoas em áreas estreitas será bom para o seu futuro (poderá sê-lo por mera sorte ou, se esta for a primeira de muitas formações ao longo da vida). Precisamos então de um ensino que prepare os jovens para uma economia mais dinâmica, mais criativa, interconectada e de profissões que ainda não foram inventadas, que “ensine a aprender”. Talvez o foco de Merkel fosse obter recursos humanos técnicos baratos, enquanto a Alemanha e o Reino Unido absorvem os nossos profissionais mais criativos e polivalentes, mas a todos que os sofrem de miopia, talvez seja o momento de ver um pouco além do nevoeiro das opiniões e perceber que a aposta no ensino académico base é essencial.