Vítor Ferreira
Diretor Executivo da D. Dinis, Business School
Antes de avançar numa análise mais económica, devo declarar que não acredito em movimentos radicais (salvo exceções revolucionárias), já que a história da Europa nos mostra que todas as viragens fascistas ou comunistas levaram a situações limite, com perda de democracia. Contudo, o que se passou este fim-de-semana na Grécia, ainda que tracejado por contornos de radicalismo, pode ser uma lufada de ar fresco na Europa. Para isto é preciso perceber o que se passou neste país (e na União Monetária) nos últimos 5 anos. Como já vimos nestas crónicas, a nossa União Monetária é “imperfeita” (claramente a Grécia agudizou essa imperfeição quando aderiu ao Euro) e, nesse sentido, para corrigir possíveis diferenças de competitividade entre países seria necessário instituir mecanismos de transferência de riqueza, mutualização da dívida e caminhar para uma união bancária e até fiscal. Sem esses mecanismos, na ausência de uma política monetária e cambial em cada Estado, as nações mais competitivas aumentam o seu gap face a nações menos competitivas (o que aconteceu à Alemanha versus os países do Sul – a título de exemplo, desde a criação da UEM, as exportações da Alemanha para a Grécia cresceram 150% face a um crescimento de 10% da Grécia para a Alemanha).
Porém, nenhuma destas ferramentas foi implementada e a solução para um país em crise foi um programa de austeridade, que previa impactos negativos na procura, no produto e no emprego, mas de uma magnitude muito aquém da realidade. O que realmente aconteceu foi um pesadelo económico e humano. Longe de terminar em 2011, a recessão grega ganhou força. A Grécia não bateu no fundo até 2014 e, por esta altura, tinha experimentado uma profunda depressão, com desemprego global de 28% e desemprego jovem de 60%. Isto apesar do país ter imposto cortes drásticos nos serviços públicos, salários de funcionários públicos e benefícios sociais. Graças a repetidas novas ondas de austeridade, a despesa pública foi cortada acima do que o programa original previa e é atualmente cerca de 20% menor do que era em 2010 (com o PIB a decrescer tão rápido, apesar da subida acentuada da carga fiscal, os défices continuaram a acumular-se). O próprio FMI reconheceu que não existe na história um programa de pagamento de dívida através de austeridade, sem alívio da mesma ou inflação, que tenha tido resultados positivos.
Como a Europa se recusa a ver a lógica económica talvez este seja o início do despertar necessário. Todavia, para aqueles que pensam que o acordar passa por unilateralmente deixar de pagar a dívida, talvez a Argentina seja um aviso importante.