Por vezes a indústria do cinema ajuda-nos a refletir de forma única sobre os momentos sociais, realizando sínteses que definem épocas ou acontecimentos, para sempre guardados sob a lente de um realizador. Se por vezes essa é uma reflexão histórica quase traumática, como aquela feita por Spielberg na Lista de Schindler, também pode ser politicamente motivada como no caso dos filmes de Oliver Stone sobre JFK ou o 11 de setembro. O foco da câmara também incide sobre a realidade económica. Por exemplo, o filme “Wall Street” é um marco da década de 80, celebrando os excessos yuppies. Muitas vezes este contar da história mistura ficção e documentário, criando espelhos quase cruéis de fenómenos históricos.
É o caso do filme “The Big Short” que nos conduz numa viagem hipnotizante pela construção da crise de 2008, sob o olhar de alguns que a previram e que, ironicamente, ganharam milhões apostando na concretização dessa previsão. Um dos focos do filme incide sobre o mercado hipotecário e os derivados ligados a este. O mercado dos derivados é, em muitos casos, uma construção positiva que permite aumentar o nível liquidez, arbitrar riscos, suavizar flutuações, etc. Contudo, outras vezes, estes mercados que valem triliões de euros são instrumentalizados pela banca (geralmente de investimento) e gestores de fundos, para gerar retornos à custa dos investidores menos atentos. O que vemos é que nos EUA, como na Europa, foram sobretudo os bancos os incentivadores da corrida ao crédito que levou a que o nível de risco de crédito se tornasse incomportável (sendo escondido de forma fraudulenta). A culpa da crise não foi do leitor ou da sua empresa, mas sim dos incentivos negativos criados por estas entidades que, lá como cá, foram e são salvas pelos Governos (corrompendo um princípio básico do capitalismo: a má gestão deve ser punida com falência e a fraudulenta deve levar a prisão) – governos esses que incorreram também no crédito excessivo não reprodutivo (agravando a crise).
O mais curioso é que passados quase 8 anos poucas alternativas em termos regulatórios ou de práticas dos governos existem. Deveremos refletir sobre como a forma como algumas instituições passaram incólumes ao mesmo tempo que milhões de pessoas perderam o emprego. O futuro julgará as opções que temos tomado ou deixamos serem tomadas, num embuste sem filiação ideológica.
Crónica publicada na edição de14 de janeiro de 2016 do Jornal de Leiria.