Crónicas de Gestão | ESQUIZOFRENIA GLOBAL

Vivemos num mundo paradoxal. Nunca a educação e o conhecimento estiveram tão disseminados, contudo a maioria das populações parece sucumbir a sound bites de 140 carateres. Vejamos os problemas com o orçamento de Estado. O esboço que se conhece está longe de ser perfeito, mas tem alterações no sentido certo. A CE depressa se apressou a criar uma tempestade mediática para influenciar o mesmo (porque na verdade não tem, para já, poder para o recusar). A Comissão insiste na redução do défice estrutural, o que é legítimo dado o elevado endividamento do país, mas insiste em esquecer que as soluções que ela e o FMI propuseram estavam erradas (como a recuperação dos EUA o demonstrou). A contração das políticas orçamentais levou a um agravar da crise europeia. Diz o leitor que quem não tem recursos não pode implementar este tipo de políticas. Mas a verdade é que, como vivemos numa “zona monetária imperfeita”, poderíamos fazê-lo a nível europeu, porque essa folga existe em outros países (recordo que ninguém abriu um processo à Alemanha por superavit excessivo).

A esquizofrenia estende-se à supervisão bancária, onde uma Europa de matriz liberal insiste em salvar bancos, mas com regras distintas para cada caso. Neste momento temos uma união bancária em construção, onde temos que cumprir regras, mas sermos nós a salvar os bancos (e salvar porquê?). Esta proteção dos credores, quer no caso das dívidas soberanas, quer em outros casos, subverte todo o princípio de gestão do risco do lado do credor, cujo prémio salvaguardaria os possíveis incumprimentos. Esta proteção dos credores, aliada ao encolher das políticas orçamentais, tem levado a um aumento da desigualdade na distribuição de rendimentos, com quem depende do trabalho a ficar cada vez mais pobre e quem tem ativos financeiros a ficar cada vez mais rico (recordemo-nos que hoje 50 pessoas têm tanta riqueza como 50% da população global). E no meio disto encontramos o drama da emigração, com uma Europa envelhecida convencida a fechar as portas, mesmo quando a maioria da evidência económica aponta os efeitos positivos ou neutros da emigração (e a hipocrisia dos países do norte que têm usufruído da emigração de cérebros, mas agora recusam a mais genérica). Estará na hora de acordar desta esquizofrenia que nos assola?

 

Crónica publicada na edição de 04 de fevereiro de 2016 do Jornal de Leiria.