Martin Wolf escrevia há 2 anos, nas páginas do Financial Times, um artigo sobre como as elites ameaçam o futuro da Europa (e do mundo). Em sociedades complexas confiamos a elites políticas, intelectuais e económicas o papel de liderar a sociedade, atribuindo-lhes privilégios em troca de prosperidade futura. Quando estas falham neste “contrato” tendem a ser substituídas (o que, no caso das elites políticas em democracia, é relativamente fácil através de eleições). Nos últimos 20 anos estas elites foram embaladas pela fantasia neoliberal da autoestabilização dos mercados financeiros (sem perceber a imperfeição/assimetria subjacente a alguns destes mercados), incentivando a expansão da dívida. Quando esta promessa falhou, as economias entraram em colapso, o desemprego cresceu e a dívida pública explodiu. A elite política falhou por não prever o desastre e a elite financeira foi desacreditada porque teve de ser resgatada (um contrassenso face ao seu pseudo liberalismo).
Posteriormente, todas estas elites fracassaram nas soluções para resolverem estes problemas, promovendo mecanismos ineficazes ou desequilibrados (como se vê no contexto europeu, onde verdadeiramente a única solução para uma Europa anémica passaria pela união fiscal e económica da zona euro). Ora, as elites que não resolveram esta crise são as mesmas em que confiamos para enfrentar fenómenos futuros como o aquecimento global, o fim do emprego (com a crescente automação, física e intelectual, da economia) ou o crescimento do terrorismo. Contudo, quer no caso económico e financeiro, onde estas elites são hoje globais, afastando-se da noção de nacionalidade, quer no caso político, onde as instituições que tomam decisões estão distantes do votante (como a Comissão Europeia, o BCE ou, para nós portugueses, o governo alemão), as elites deixaram de prestar contas (quer seja um banco central, um burocrata ou o CEO de um gigante financeiro).
Este divórcio atinge o coração de qualquer noção de governabilidade democrática e deixa antever um crescimento do populismo, como o que temos assistido na Europa e agora nos EUA. Os desafios são tremendos e as soluções exigem uma mini revolução conceptual, mas não existem mais timoneiros disponíveis.
Crónica publicada na edição de 10 de março de 2016 do Jornal de Leiria.