Crónicas de Gestão | O alfaiate do Panamá

Sem estragar ao leitor o livro que dá título a esta crónica, podemos desvendar que na história de le Carré, onde a intriga e a corrupção são temas dominantes, as fabricações de um submundo de espiões e ex-presidiários levam à invasão de um país. Com a divulgação dos documentos internos da empresa Mossack Fonseca a realidade parece ultrapassar a ficção. Estes documentos revelaram uma teia que se escondia sob o manto diáfano de participações, empresas fantasma e outros esquemas legais, que todos parecíamos vislumbrar entre sombras, mas cujas provas nunca nos tinham sido apresentadas (sendo que esta é apenas a quarta maior empresa deste setor).

Existem alguns problemas económicos subjacentes a esta questão. Primeiro, a questão da corrupção, uma vez que algumas destas empresas existem para esconder fundos desviados ou conseguidos a troco de favorecimentos. A existência de corrupção distorce os mercados a favor de empresas com desempenhos inferiores, que podem até gerar externalidades negativas (ambientais e sociais). Em segundo lugar, a questão fiscal, porque empresas e contribuintes que usufruem de serviços coletivos acabam por não os custear de forma equitativa, na medida em que recorrendo a mecanismos de eficiência (ou mesmo fuga) fiscal não pagarão o nível de impostos correspondente (mais uma vez deturpando o mercado a favor de quem não cumpre face a quem cumpre). Finalmente, a questão moral, tendo em conta que os que mais riqueza detêm se tornam nos mais capazes de não pagar impostos (mesmo que isto seja feito legalmente). Estes impostos perdidos poderiam ser utilizados para pagar escolas, medicamentos, investigação científica, programas de modernização empresarial e outros serviços que, curiosamente, parecem ser considerados impossíveis de fornecer por alguns que são os mesmos beneficiários dos arranjos de eficiência fiscal (como é o caso de David Cameron e da sua política de diminuição de serviços públicos).

Este é um tema tão mais premente quando o capital parece crescentemente dominar a relação com o trabalho (como demonstram alguns economistas e algo que tem tendência a intensificar-se com a “robotização” da economia). Esperemos que esta divulgação não leve à “destruição do Panamá”, mas desencadeie sim mecanismos que criem mercados mais livres, sistemas fiscais mais justos e uma maior moralidade.

 

Crónica publicada na edição de 14 de abril de 2016 do Jornal de Leiria.