Nestas páginas discutimos amplamente, ao longo dos últimos anos, a questão dos problemas do emprego no século XXI. Evidenciámos a problemática da automação, da inovação tecnológica e da intensificação digital, que leva à substituição do imaterial e à criação de uma economia mais fortemente baseada no conhecimento e criatividade. Este fenómeno, aliado à “equalização” gerada pela globalização (países mais pobres a sair da pobreza e ricos a estagnarem), ao crescimento da produtividade sem aumento salarial (ou com a exclusão de imensas pessoas desta “economia moderna”) e à remuneração crescente do capital versus vários tipos de trabalho, tem levado ao aumento da desigualdade e à crescente insatisfação social. O populismo tem tirado partido desta situação apresentando soluções fáceis, mas falaciosas, para problemas complexos e globais. Donald Trump é um pináculo desse populismo, defendendo algo próximo do “corporativismo” (onde algumas empresas capturam não só o regulador com o Estado, criando obstáculos à concorrência), muito distante do liberalismo implícito na matriz republicana. Na verdade, a própria Europa sofre destes males (captura de regulação, nacional e europeia, por grupos, bem como um crescente populismo). Apesar das promessas de protecionismo, que terão um resultado desastroso caso sejam implementadas como prometido, a verdade é que um relógio parado está certo duas vezes por dia. Se algumas empresas anunciaram a sua intenção de investir nos EUA isso não é uma vitória do populismo, mas sim parte de um movimento de insourcing, que já destacámos nestas páginas, e que começou há cerca de 5 anos (produzir no oriente pode não compensar os custos de qualidade e logística, pelo que a produção automatizada, de séries de produtos mais curtas, junto dos mercados alvo se tornou mais atrativa). Por outro lado, enquanto a Ford anunciava a manutenção de uma fábrica no Michigan, criando 700 empregos, a GM comunicava 3300 despedimentos. Existem dois fatores que nos ajudam a pensar que os empregos industriais não voltarão em número suficiente: por um lado, a crescente automação (muito do valor agregado de um automóvel vem do software que o executa), por outro lado, a diminuição do poder de compra das classes médias. Estranhamente, os mercados têm reagido de forma calma aos ridículos anúncios de Donald Trump, mas esta calma não se fará sentir sempre, pois a tempestade anuncia-se sem clemência.
Artigo publicado na edição de 19 de janeiro de 2017 do Jornal de Leiria