Vítor Ferreira
Diretor Executivo da D. Dinis, Business School
Todos os países ou regiões podem ser considerados uma marca. Alguns locais conseguem realizar um melhor trabalho ao posicionar-se e diferenciar-se das demais regiões. Cada um de nós tem certos atributos / perceções que nos vêm à mente quando pensamos em diferentes países: a França pode ser “perfumes” e moda, a Itália é “moda e design” e “automóveis e design”, a Suécia é “design simples e funcional”, a Alemanha é “grande engenharia”, Índia é “especiarias”, a Argentina é “tango”, a Suíça é “relógios, chocolate e até farmacêutica”, a China é “fabricação de baixo custo”. Obviamente que estas aceções são redutoras e mudam com o tempo, porque também um dia o Japão era conhecido como a terra do fabrico barato, tendo rapidamente transformado esse paradigma associando-se à qualidade, inovação e eletrónica. Por outro lado, hoje quando pensamos em Japão temos sempre presente outros universos popularizados pela globalização, quer seja a sua cultura feudal ligada aos samurais, quer seja a sua cultura pop ligada ao universo da manga/videojogos (o que, por exemplo, contribui para as exportações de bens culturais do Japão). Isto é conhecido como “marca de lugar”. Muitas marcas “pedem emprestado” essas perceções comuns e transformam-nas em elementos diferenciadores que as ajudam a competir local e internacionalmente.
O que significa “país de origem”?
Bem, isto pode significar coisas diferentes. Pode significar que a empresa é originária daquele país, o que denota que ela reflete os valores e os atributos conhecidos do país. A Ikea promove a Suécia em todos os seus materiais de comunicação, começando pelas cores azul e amarela da marca e terminando com os produtos que eles vendem no refeitório. A Suécia é muito conhecida pelo design funcional e moderno, atributos que complementam perfeitamente a imagem da marca Ikea. Depois, há a vertente de país de origem “Made in”. Algumas marcas são famosas pelo posicionamento no local de fabricação. Os consumidores dos Estados Unidos, por exemplo, parecem colocar valor real no rótulo “Made in USA”. Apesar de muitas empresas lutarem para manter uma certa imagem de que seu produto é fabricado num país específico, na economia global de hoje essa perceção é muito difícil de manter e apoiar.
Dois pontos a realçar. Primeiro, a importância do “país de origem” na decisão de compra varia de acordo com a categoria do produto. Como consumidor, tenho certas categorias em que o país de origem faz a diferença: prefiro vinhos franceses, relógios suíços e cerveja belga. Eu também compro frutas e legumes que são cultivados localmente, tão perto de casa quanto possível. Para outros produtos, o país de origem não tem significado: vestuário, eletrónica, etc. No mercado industrial, apesar de tudo, a maioria dos industriais tende a confiar em máquinas alemãs, suíças, italianas de forma muito mais considerável do que em máquinas chinesas ou, até mesmo, portuguesas. Segundo, o país de origem desempenha um papel menor quando os produtos podem ser facilmente diferenciados através de outros elementos. Quanto mais diferenciado for o produto, mais fácil será afastar-se do rótulo do país de origem. Se vende um produto do tipo commodity, o país de origem torna-se muito importante (vinho português, azeite português, chá inglês/chinês, etc.). Por outro lado, se os seus produtos são inovadores e únicos, então tem muito mais opções para diferenciar e o local de origem torna-se um fator adicional em vez de ser um elemento de diferenciação. A Apple é conhecida principalmente pela sua inovação de produtos, afastada do conceito de país de origem. A embalagem do produto diz “Projetado pela Apple na Califórnia. Feito em “X” (normalmente China).
O país de origem pode realçar a capacidade de diferenciar a marca da concorrência. Como várias marcas de um país podem fazer a mesma reivindicação de “país de origem”, essa não é a maneira mais segura de procurar uma diferenciação exclusiva. Todos os fabricantes de automóveis alemães incluem um elemento “alemão” na sua comunicação de marketing, por isso é difícil para o consumidor escolher o carro mais “alemão” disponível. No entanto, este é um elemento secundário das dimensões de marca que não deve ser negligenciável.
Por outro lado, na maioria dos casos, a reivindicação de “país de origem” pode não ser sustentada a longo prazo. Na economia global de hoje, onde a maioria das empresas enfrenta pressões de preços, a tentação de transferir a produção para países de custo mais baixo não pode ser negada. Muitas marcas lutam para manter a perceção que criaram sobre onde o produto é fabricado, enquanto lutam contra pressões competitivas de preços. Simultaneamente, produtos complexos com componentes produzidos em todo o mundo, dificilmente podem afirmar-se que representam um país.
Serve esta discussão para rematar a importância do país de origem na dimensão “marca industrial”. Apesar de tudo, o exemplo da indústria automóvel reforça que sendo um bem de equipamento, apesar da “germanicidade” não ser o fator extremo diferenciador da marca, ele cria uma aura de confiança associada à engenharia das várias marcas de carros alemãs. Da mesma forma, se o “país de origem” serve hoje para diferenciar do vinho ao turismo português, não existe uma verdadeira associação positiva global (ela existe a nível internacional no cluster do tooling) da indústria portuguesa. Ou seja, se o empresário coreano ou colombiano mais atento, dentro da fileira do desenvolvimento de produto, conhecer os méritos da nossa indústria (fruto do excelente trabalho dos nossos empresários e das entidades associadas ao setor), os empresários e gestores de compras fora de um foco específico terão conotações não tão positivas relacionadas com a indústria portuguesa.
O ideal, para não copiar alemães ou italianos, é num espaço geracional criar uma dimensão que associe o país ao sol, comida e vinho, mas também ao design, criatividade e inovação, porque esses são atributos fundamentais no século XXI.
Artigo de opinião publicado na revista O Molde