As 26 pessoas mais ricas do mundo têm uma riqueza equivalente a metade da população global. Este é um dado publicado pela Oxfam, num relatório que marca o início do Fórum Económico Mundial em Davos. Segundo esta mesma organização de beneficência, um imposto de 1% sobre riqueza arrecadaria cerca de 418 mil milhões de dólares por ano – o suficiente para educar todas as crianças que não frequentam a escola e evitar 3 milhões de mortes. Em 2018, a riqueza dos mais de 2200 “bilionários”, que existem globalmente, aumentou 2,5 mil milhões de dólares por dia. O aumento de 12% na riqueza dos mais ricos contrastou com uma queda de 11% na riqueza da metade mais pobre da população mundial. Muita da insatisfação que alimenta as tensões e revoltas populares (por exemplo “coletes amarelos”) e o ressurgimento dos nacionalismos está ligada à estagnação económica e a um mundo desigual, onde os mais ricos e poderosos definem as regras (muitas vezes a justiça tem, em boa parte do mundo, efetivamente dois pesos consoante a medida da carteira do cidadão) e conseguem muitas vezes manipular os mais pobres a fazer escolhas contra os seus próprios interesses (os EUA são o exemplo máximo desse paradoxo). O problema nem é o sistema capitalista como um todo, já que foi ele que permitiu que cerca de metade dos países do mundo tenha hoje taxas de pobreza abaixo de 3%. Nos anos de 1990 a 2015, a taxa de pobreza extrema caiu a uma média de um ponto percentual por ano – de quase 36% para 10% (dados do Banco Mundial). Simultaneamente, no período de 2008 a 2018 a taxa de mortalidade infantil global caiu de 5,8% para 3,9% e a esperança média de vida aumentou dos 69,8 anos para 72,2 anos. Centenas de milhões de pessoas, sobretudo no sudeste asiático, fazem hoje parte de uma vibrante classe média com vontade de consumir e de viver (por exemplo, estima-se que o turismo global chegue aos 1,4 mil milhões de visitas em 2020). O problema é que todas estas melhorias foram acompanhadas de um crescente aumento de desigualdade, de mais impactos ambientais e de uma estagnação nos salários do mundo ocidental. No fundo, o modelo capitalista, regulado, tem potencial para gerar progresso, diminuir a desigualdade e o impacto ambiental, mas o que assistimos neste momento é um caminho perigosamente desequilibrado, um capitalismo selvagem, no fundo como que um espelho do que a humanidade está a fazer ao planeta (em colapso ecológico) – devorar-se a si própria.
Crónica publicada no Jornal de Leiria