Porque falham as organizações? | Crónicas de Gestão

Este é um tema raramente abordado em gestão. Como já observámos nestas páginas, a gestão sofre de um “viés de sobrevivência”. Fazemos inferência estatística e tiramos conclusões a partir das empresas que sobrevivem, quando a maioria das empresas criadas vai à falência (cerca de 50% a 70% das empresas fecham antes do final do 3º ano e a esperança média de vida de uma empresa é, no mundo ocidental, de 12 anos). O que quer dizer que para cada Google, Sonae ou Iberomoldes há centenas de milhar de casos de insucesso. Na verdade, como seres humanos somos vítimas desse viés em outras áreas – quando visitamos o Mosteiro da Batalha, ficamos convencidos de “que no passado é que se construía bem”, mas esquecemo-nos que não há, à nossa volta, casas de pé do século XVI (o mosteiro é a exceção); quando encontramos alguém que viveu até aos 122 e fumava charuto (como a senhora Jeanne Calment) achamos que podemos fumar charuto e viver longos anos (quando a lição a tirar não reside nela, mas sim em quais as causas de morte de todas as pessoas que não chegaram aos 122). Ou seja, temos de perceber porque falham as organizações e não tanto porque a exceção teve sucesso. E uma das razões mais apontadas para o insucesso nesta sede é a falta de conhecimento (em gestão, marketing, finanças ou no processo produtivo subjacente ao negócio). O leitor quando vai ao médico espera ser atendido por um profissional com experiência após vários anos no curso de medicina, internato e especialização. Quando vai a um mecânico espera que alguém que trate do seu carro tenha um curso (técnico ou superior) e uma larga experiência. O caro leitor, certamente, ficaria em pânico se na sua próxima visita ao centro de saúde fosse atendido por alguém que nunca tivesse entrado numa aula de medicina. No entanto, em muitos negócios o empreendedor nunca teve uma aula de gestão, em muitas empresas a equipa de gestão não tem formação ou experiência na área e, de forma surpreendente, em muitas organizações públicas os responsáveis diretivos são eleitos independentemente de qualquer competência (escolas, hospitais, etc.), e ninguém fica preocupado! Este é um problema que tem sido mitigado nas últimas décadas com a crescente profissionalização da gestão e com o aumento de apoio aos empreendedores, mas não deixa de ser sintomático de alguns processos mais convolutos à nossa volta. E também é verdade que existem exceções de organizações bem geridas por pessoas sem esse conhecimento (mas que têm visão, adquiriram experiência, contrataram pessoas que colmatam ausência de conhecimento e percebem do processo produtivo subjacente). A evidência científica aponta outros fatores geradores de insucesso como a falta de planeamento, ausência de mecanismos de controlo de gestão (veja-se o BES), etc., mas da próxima vez que for ao médico, lembre-se desta crónica.

Crónica publicada no Jornal de Leiria