Na passada semana tive oportunidade de visitar uma fábrica que poderia operar com 3 trabalhadores. Desde a receção da matéria-prima até ao transporte do produto final para fora da fábrica não há (quase) intervenção humana. Resta o transporte em si que, como já arguimos, será a curto-prazo automatizado. Podemos argumentar que algumas funções “administrativas” serão também vítimas fáceis da automação (parte das funções contabilísticas e mesmo algumas funções de gestão geral estão neste momento a ser automatizadas em grandes empresas). Resta a I&D, a Estratégia e a Venda, sendo que uma parte do Marketing (da análise de dados ao lançamento de campanhas, passando pelas decisões de distribuição) pode também ser automatizada, sobretudo com a integração de software de logística entre fornecedores, distribuidores e pontos de venda. Obviamente, outras indústrias existem que, apesar da crescente automação, precisam cada vez mais de recursos humanos especializados (como é o caso da indústria de moldes e plásticos onde há uma escassez efetiva de pessoas). Contudo, este é um pequeno exemplo de como a crescente automação pode gerar “excesso de trabalho”. O pensamento económico convencional supõe que trabalho e o capital são recursos escassos usados para gerar Oferta para responder à Procura. Se no caso do trabalho isso pode ser evidente pelas persistentes taxas de desemprego no mundo ocidental, no caso do capital isso é visível pelo excesso de capital gerado pelas políticas monetárias expansionistas dos principais bancos centrais. Se há excesso de trabalho e capital temos um problema de distribuição e desigualdade. O economista francês Piketty ficou famoso por mostrar que tem existido um aumento da desigualdade, resultante do facto da taxa de retorno do capital ser superior ao crescimento económico e, sobretudo, ao crescimento do rendimento baseado na produtividade. Uma solução para este paradoxo é a instituição semi-global de um Rendimento Básico Garantido – RBG/UBI (que separaria trabalho de rendimento e permitiria um aumento da procura, expansão de economias de escala, etc.). Mas este caminho não é amado pelos arautos da “moralidade do trabalho” (curiosamente, já que a palavra trabalho deriva do latim tripalium, um instrumento de tortura – sendo que trabalhar “significava ser torturado”). Contudo, desde que há anos, nestas crónicas, introduzimos este tema ele tem vindo a ser lentamente apresentado por políticos (na França, Canadá, Dinamarca, Finlândia). Veremos se em Portugal haverá ecos dessas discussões.