Vítor Ferreira
Diretor Executivo da D. Dinis, Business School
Para o empresário ou gestor da indústria de moldes, os últimos avisos de abertura do Portugal 2020 trouxeram a novidade da introdução obrigatória de um alinhamento do investimento com a estratégia nacional para a indústria 4.0. Investimentos em integração de sistemas informáticos, recolha de dados de produção, comunicação ao longo da cadeia de valor (de preferência entre vários níveis de fornecedores até ao cliente final), introdução de sensores, criação de modelos de otimização (com “machine learning”, ou pelo menos algumas rotinas próximas de inteligência artificial), introdução de sistemas de cibersegurança, são vários exemplos que devem ser ponderados na definição da estratégia individual das empresas industriais portuguesas. Ao redor deste contexto, conceitos fundamentais são a automação inteligente (se automação robótica existe desde os anos 60-70, já a capacidade de máquinas e de software para aprender iterativamente e serem flexíveis é algo novo), a “Internet das Coisas” (recolha automática de dados através de sensores mais ou menos ubíquos e máquinas que comunicam entre si em rede) e “Big Data” (os dados permitem a otimização e colocar as máquinas a aprender).
Neste contexto há uma notícia que pode passar despercebida, mas que deixa antever o futuro da economia global. Coletivamente, Google, Amazon, Apple, Facebook e Microsoft arrecadaram mais de 25 mil milhões de lucro líquido no primeiro trimestre de 2017. A Amazon capturou metade de todos os dólares gastos online nos EUA, enquanto Google e Facebook representaram quase todo o crescimento da receita em publicidade digital nos EUA do ano passado. Não nos esqueçamos, no entanto, que a maior empresa de comércio eletrónico não está neste lote (Alibaba) e que outros gigantes do software estão hoje entre as maiores empresas do mundo, como é o caso da Chinesa Tencent, avaliada em 347 mil milhões de euros, que muitos preveem ser a maior empresa do mundo a médio-prazo (a Tencent tem tido enorme sucesso copiando empresas ocidentais, desde serviços de mensagem, até aos pagamentos online, passando pelas plataformas tipo Uber, etc.).
Desta forma, parece evidente que o petróleo do século XXI são os “dados” que movem o negócio destas empresas. Ao vermos televisão, corrermos, conduzirmos, navegarmos na internet ou fazermos “likes” estamos a gerar dados que são tratados por estas empresas. Enquanto isso, as técnicas de inteligência artificial (IA), como a aprendizagem por máquina, extraem mais valor desses dados e criam padrões que permitem otimizar ofertas. Estes algoritmos podem prever quando um cliente está pronto para comprar, um motor a jato precisa de serviço ou uma pessoa está em risco de uma doença. Como sabemos, esta tendência chegou à indústria e é conhecida pelo termo “indústria 4.0”, com a digitalização e recolha de dados sobre processos de produção (sensores em máquinas, linhas de produção, embalagens, etc.), que permitirão criar modelos para maior eficiência. Na verdade, gigantes industriais como a GE e a Siemens “vendem-se” hoje como empresas de dados. Mas tal como no início do século passado as economias de escala deram origem a “quase monopólios”, também hoje o domínio dos dados gera economias de rede que bloqueiam a concorrência (sem acesso a dados, os pequenos concorrentes não conseguem competir). Este é um fenómeno que se sente na publicidade online ou em outras áreas (como o comércio eletrónico), uma vez que as economias de rede são propícias a modelos de “vencedor arrecada tudo”. Talvez seja um bom aviso para as empresas nacionais, de que o ouro negro desde século são os dados e modelos.
Dentro dos fortes investimentos proporcionados pelo P2020, a maioria das PMEs portuguesas na área industrial tem apostado fortemente na modernização de equipamentos (inovação de processo, mas cujo valor acrescentado vem muito do fornecedor), melhoria da estrutura de pessoal (evidenciado pelo drástico aumento do número de engenheiros nestas empresas – com efeitos futuros muito positivos ), algum investimento em software/ERPs (mas também aqui são os fornecedores a potenciar a inovação) e algumas parcerias com o sistema científico e tecnológico (dada a pequena escala das empresas que não lhes permite ter uma estrutura/investimentos de I&D, as parcerias permitem criar projetos de investigação aplicados, melhorando a capacidade endógena de inovação). Contudo, parece evidente que a maioria das empresas não tem apostado em outras áreas que serão vitais, como a criação de novos modelos de negócio ligados à customização em massa, tecnologias de fabrico digital e IoT; como a reformulação das culturas empresariais (não podemos gerir uma força de trabalho altamente formada e criativa com os modelos de gestão presentes na maioria das empresas), ou ainda como a integração de cadeias de valor, recolha de dados e criação de modelos (de preferência proprietários ou as grandes empresas terão sempre vantagem). Estes modelos exigem um aumento da capacidade competitiva que pode derivar de lógicas de cooperação ou mesmo de fusões entre várias empresas.
No fundo, se por um lado estamos a falar de tecnologias avançadas, que passam pelos domínios da inteligência artificial, da eletrónica e robótica, por outro lado, há uma necessidade de reinventar, reorganizar e gerir as empresas de uma forma diferente (foi por essa mesma razão que a D. Dinis Business School, a ESTIA e o CDRsp se juntaram para criar um programa de gestão da indústria 4.0).
Esperemos que quer os gestores/empresários, quer as entidades de política pública percebam que, para além do brilho da tecnologia, devemos aprofundar a capacidade de inovação da indústria nacional, alterar modelos de negócio e criar mais valor acrescentado por unidade produzida (seja de uma peça de cerâmica, um molde, um sapato ou uma garrafa de vinho), pois só dessa forma poderemos ser competitivos face não só aos países emergentes (da China à Eslováquia), mas também face à Alemanha, França e EUA.
Artigo de opinião publicado na revista O Molde em julho de 2017.