Vítor Ferreira
Diretor Executivo da D. Dinis, Business School
Vivemos num mundo diferente, onde plataformas como a Uber ou a AirBnb, permitem que pessoas comuns ofereçam os seus serviços, reinventando assim a empresa clássica. Estas duas empresas em conjunto são hoje avaliadas em cerca de 100 mil milhões de dólares. Em Portugal existem plataformas semelhantes com oferta de serviços profissionais (como a Zaask) ou o arrendamento de quartos a estudantes (como a Uniplaces, que hoje se estima que possa valer mais de mil milhões de dólares). Estes números são extraordinários, sobretudo se pensarmos que a indústria de moldes, tão importante na região, estará hoje perto dos 1000 milhões de euros de faturação. Estes fenómenos vão ao encontro de uma teoria fundamental na economia, desenvolvida por dois prémios nobel da economia – Ronald Coase e Williamson, que focaram a importância dos custos de transação, que nada mais são do que o gasto de recursos económicos para planear, adaptar e monitorizar as interações entre os agentes (custos de procura de preços, de negociação, de procura de fornecedores, etc.). Na economia moderna, o advento do processamento massivo e barato de dados permite a minimização dos custos de transação sem recorrer a estruturas internas (substituindo empresas clássicas com sistemas de governação pesados e caros). A concertação de preços pode ser feita automaticamente, a monitorização é feita automaticamente e através de “reviews” gerando índices de reputação e a negociação é também ela semiautomática. Se, por um lado, estes movimentos tornam a economia mais flexível, por outro estes parecem ser os únicos geradores de emprego numa economia cada vez automatizada e “algoritmizada”. Empresas como a Uber, Snapchat, WhatsApp, empregam algumas centenas (ou poucos milhares) de colaboradores, mas têm valorizações de mercado imensas. No caso da Uber é interessante ver o fenómeno de “destruição criativa”, pois se numa primeira fase a empresa destrói emprego no setor dos táxis, numa segunda fase ela procura acabar com a figura do motorista profissional (hoje a empresa está a testar um serviço de entregas de comida e, simultaneamente, a sua primeira minifrota de carros sem condutor – um alerta para quem acha que os carros autónomos estão ainda a mais de 3 ou 4 anos de distância). Simultaneamente, a empresa tem gerado empregos mais intensivos em conhecimento, nas áreas de engenharia, inteligência artificial e outros (empregos mais bem pagos e com potencial económico maior do que o dos motoristas de táxi). O problema é que estes empregos não são para as mesmas pessoas. Taxistas, cozinheiros, camareiras poderão ficar desempregados, sem perspetiva de emprego de substituição (a perspetiva é que 30% a 50% dos empregos atuais serão alvo de automização – por robots e software, inclusive na indústria, onde o advento da “industria 4.0” e/ou da fabricação aditiva levarão à criação das fábricas sem operários – mas com engenheiros). Por outro lado, grandes empresas trabalham cada vez menos com divisões clássicas, apostando na organização por projeto e equipa, onde cada unidade funciona de forma altamente independente, como se um departamento fosse uma pequena start-up intensiva em conhecimento (vide Google, Microsoft, etc.).
Estes fenómenos chegam hoje à nossa indústria, onde muitas empresas procuram ser mais ágeis e horizontais, para poder inovar mais rapidamente em termos de produtos e processos. Simultaneamente, o impulso do investimento financiado em indústria 4.0, está a transformar a linha de produção clássica, com automação, máquinas que recolhem dados e falam entre si e algoritmos que otimizam ciclos de produção. As bancadas dão lugar às células de produção e o tempo que demora a adquirir know-how técnico começa a encurtar (7 anos seria o que se dizia há 25 anos ser necessário para um técnico de moldes, quando hoje estaremos nos 2/3anos). Este tipo de lógica permite que as empresas produzam com mais precisão, encurtem tempos de desenvolvimento e gerem mais valor acrescentado. Desta forma, skills ligadas à engenharia, criatividade, capacidade de negociação, recolha tratamento de dados, gestão do conhecimento e inovação, etc., tornam-se essenciais para a criação de valor. Neste futuro haverá hipóteses para novas empresas, estruturas mais flexíveis e ágeis e sobretudo para empregos e negócios iminentemente intangíveis, baseados em conhecimento. Esperemos que as empresas da região continuem o seu caminho nesta direção, sendo elas as novas pioneiras da digitalização industrial.
Crónica publicada na 250 Maiores Empresas do Distrito de Leiria a 30 de Novembro de 2017.