Desigualdade e populismo | Crónicas de Gestão

Vários dados sobre o período pós-grande recessão (2008) convergem para leituras económicas sobre desigualdade, acumulação de riqueza e políticas monetárias expansionistas. Com o intuito de evitar deflação e estimular o crescimento económico, os principais bancos centrais têm promovido políticas expansionistas baseadas na manutenção de taxas de juro baixas (na prática negativas) e na injeção direta de dinheiro na economia através da compra de ativos (maioritariamente obrigações do tesouro), o conhecido “Quantitative Easing”. Nestas economias, baixas taxas de juro deveriam representar um estímulo generalizado para o investimento produtivo com retornos positivos e crescentes. Na prática era uma “potencial oportunidade” de usar capital barato e abundante para alimentar investimentos com maior retorno (mas igualmente maior risco). O que aconteceu foi que se, por um lado, as economias conseguiram sair da grande recessão produzindo um alívio à maioria da população, por outro lado, a maioria das grandes empresas não utilizou o capital abundante para aumentos salariais (daí o paradoxo das economias que crescem com salários que se mantêm baixos), nem para investimentos em I&D ou em novas operações ou em novos mercados. Todos estes investimentos acarretam riscos, deste modo, como forma de compensar os acionistas, a maioria das grandes empresas utilizaram esse capital abundante (empresas como Apple, Microsoft e muitas outras têm centenas de milhares de milhões de dólares em caixa) para comprar ações próprias, providenciando aos seus acionistas um retorno elevado e sem risco. Talvez por isso a riqueza dos bilionários tenha crescido de forma impressionante – como noticiava o Jornal de Negócios, a fortuna dos Waltons, o clã por detrás da Walmart, tem crescido desde o ano passado 4 milhões de euros por dia, 26 pessoas detêm tanta riqueza como 3,8 mil milhões de pessoas no mundo e, nos EUA, nos últimos 40 anos, o salário dos CEOs cresceu 940% face a 12% para os trabalhadores. Em alguns países, as políticas monetárias e fiscais têm favorecido os mais ricos, agravando as desigualdades – o que explica, parcialmente, o crescimento dos movimentos populistas que se alimentam desse descontentamento. Curiosamente são atores populistas e populares como Bolsonaro e Trump que mantêm o corporativismo que alimenta o monstro da desigualdade, com os partidos moderados (centro-esquerda e centro-direita) que têm as soluções socias e económicas mais justas a perderem eleitorado. No fundo, o pós-2008 trouxe um mundo de maior desigualdade e populismo.

Crónica publicada no Jornal de Leiria