Crónicas de Gestão | Liberdade

“Se a liberdade significa alguma coisa, será sobretudo o direito de dizer às outras pessoas o que elas não querem ouvir.”

George Orwell

 

Neste início do século XXI, o autoproclamado fim da história de Fukuyama não nos trouxe um mundo mais simples, onde a vitória inexorável de um modelo de economia e sociedade levaria ao alastrar do progresso por todas as nações do mundo. Se, por um lado, é verdade que o modelo de economia de mercado (mais ou menos regulada) retirou largas centenas de milhões de pessoas da pobreza, por outro lado, outros modelos de sociedade se ergueram, como as autocracias, as pseudodemocracias musculadas, e os estados religiosos em que os Estados islâmicos imperam como arquétipo.

Apenas o comunismo morreu, com direito a exéquias no altar do modelo dual (mas sobretudo capital) chinês. Por detrás das conceções sociais mais democráticas estão duas perspetivas de liberdade, nascidas no século das luzes. Uma, inscrita na constituição americana, que consagra a liberdade individual e o direito à procura da felicidade, onde a liberdade individual tem primazia quase absoluta (espelhada na cultura americana e na sua abordagem liberal, que vai do empreendedorismo ao direito ao uso de armas). Outra, a conceção nascida da revolução francesa, onde a liberdade individual impera, mas na qual o bem comum se sobrepõe por vezes às necessidades de cada um (o que se espelha em abordagens mais estatizantes de sociedade).

A verdade é que os modelos ocidentais, mais ou menos dentro destas duas perspetivas, sempre privilegiaram a liberdade (de propriedade, expressão, religiosa e, sobretudo, de pensamento – onde a liberdade perfeita se exerce), e variações destas duas formas de regulação social democrática moldaram o pensamento do século XX. Contudo, sob a égide da liberdade de segurança, do bem-estar ou da iniciativa privada, várias liberdades têm sido pouco a pouco erodidas (por exemplo, hoje não existe privacidade, estilhaçada pelo espectro negro do terrorismo ou do ciberterrorismo). A aceitação desta erosão, que nos traz para um Estado pós-Orwelliano, resulta, contudo, de algo mais próximo do Admirável Mundo Novo de Huxley, onde somos escravos dos nossos prazeres e do nosso conforto individual, sacrificando valores e crenças que julgávamos intocáveis. Talvez nunca sejamos verdadeiramente livres, mas para pessoas e empresas o novo século trouxe um mundo mais complexo, onde todos devemos exercer a liberdade de pensamento, para desenhar um futuro mais justo e perfeito.