Vitor Ferreira
Diretor Executivo da D. Dinis, Business School
Uma empresa dos EUA, Myriad, isolou dois genes humanos, que contêm mutações que levam as mulheres que os têm a ter uma maior propensão para ter cancro da mama. Saber se as mulheres possuem este gene pode ser crucial para uma prevenção da doença. Contudo, esta empresa, à luz da lei de propriedade intelectual dos EUA, patenteou a descodificação destes genes, efetivamente bloqueando outras empresas de fazerem testes para os detetarem. Os direitos de propriedade intelectual existem porque, para bens baseados em conhecimento (imateriais), os mecanismos de propriedade clássicos não funcionam corretamente. Quando uma inovação chega ao mercado é difícil excluir pessoas que não pagaram por esta de utilizar/copiar o conhecimento subjacente (existe não-excludibilidade e não-rivalidade). Desta forma, patentes e outros direitos permitem aos criadores de conhecimento usufruir da exclusividade deste conhecimento (monopólio) durante um período de tempo, criando um incentivo para produção de inovação. No final deste período, o conhecimento é de domínio público, o que leva a um aumento do bem-estar social, uma vez que o conhecimento tem tanto mais valor, quanto mais partilhado for.
Ora neste caso, começamos logo por ver vários problemas. Primeiro, haverá sentido em proteger algo que ocorre na natureza (um gene existe, não foi inventado)? Segundo, esta patente manteve os custos dos testes artificialmente altos (hoje em dia, por mil dólares é possível descodificar 20 mil genes e esta empresa cobrava 4 mil dólares pela descodificação de 2 genes). A existência destas patentes impede também a inovação subsequente, uma vez que tecnologias mais baratas e precisas são barradas pela existência da patente (não nos esqueçamos que todo o conhecimento é cumulativo). Esta patente foi contestada, chegando o caso ao Supremo Tribunal dos EUA. Ao longo do processo, a empresa sempre argumentou que o seu direito de maximizar o lucro durante a vigência das patentes era legítimo, contudo o coletivo de juízes decidiu contra esta, acabando, de certo modo, com esta prática nos EUA.
Não se discute a legitimidade de um sistema de propriedade intelectual, todavia a sua duração e caraterísticas estão abertas a contestação, com válidos argumentos económicos, uma vez que vários estudos apontam que o sistema atual está a barrar a inovação e não a fomentá-la. Seria, interessante, deste modo, perceber porque é que algumas vezes o direito a maximizar o lucro se sobrepõe ao direito de maximizar a vida.