Vitor Ferreira
Diretor Executivo da D. Dinis, Business School
Mais uma vez a Grécia. Há quem diga que é um povo condenado ao “default”, embora historicamente a Alemanha, Espanha, Portugal tenham tido mais processos de incumprimento. Um povo que não gosta de trabalhar, embora seja o segundo país da OCDE onde mais horas de se trabalha (2037h versus 1712h em Portugal). É também o país com mais alta taxa de desemprego abaixo dos 25 anos (60%), onde o PIB a preços constantes regrediu para valores de 2004, onde a receita fiscal em percentagem do PIB é superior à portuguesa (22,41% versus 20,24%), onde a idade média de reforma é de 67 anos (versus 66 em Portugal) e um país que até teve pela primeira vez na história, em 2014, um superavit primário (mais receitas do que despesas do Estado, antes de juros).
Todavia este é um mundo desequilibrado, que gosta de “maus” e de “bons” e aos gregos coube-lhes, graças a alguns dos seus defeitos, desempenhar o papel do “vilão”. Nesta “narrativa” não há uma palavra sobre a política monetária errada para a maioria dos países da periferia, sobre os desequilíbrios inevitáveis de viver numa zona monetária imperfeita e sobre as medidas da Troika terem (segundo o próprio FMI!) destruído a economia Grega. Não há uma palavra sobre as exigências dos credores como diminuir as pensões mais baixas ou o aumentar IVA no setor do turismo para 23%. Nesta narrativa não se conta que apenas uma pequena fração dos 240 mil milhões de euros, do resgate total que a Grécia recebeu em 2010 e 2012, encontrou o caminho para os cofres do Governo para suavizar o golpe dos programas de reforma. A maior parte do dinheiro foi para os bancos que emprestaram fundos à Grécia. Ao contrário da maioria da Europa, que incorreu em grandes deficits orçamentais para proteger beneficiários sociais mais desfavorecidos, Atenas foi forçada a reduzir drasticamente o seu deficit apertando as pensões e cortando o salário mínimo. Dos 100 mil milhões de euros do primeiro default, na verdade 34 mil milhões foram utilizados para obter o acordo. Em seguida foram usados 48,2 mil milhões para salvar os bancos gregos e, por último, 140 mil milhões foram gastos para pagar as dívidas originais e juros. Menos de 10% do dinheiro do resgate foi usado pelo Governo para reformar a sua economia e proteger os membros mais fracos da sociedade.
Mas como já vimos, vivemos num mundo de dissonância cognitiva em que necessitamos de justificar a nossa visão da “realidade”, mesmo que isso implique ignorar factos.