Crónicas de Gestão | PAPOILAS E AVIÕES

Dr. Vitor Ferreira
Diretor Executivo da D. Dinis Business School

Fundada em 1602, a Companhia Holandesa da Índia Oriental foi a primeira empresa de capital aberto do mundo e a primeira cotada na primeira Bolsa de Valores. A empresa obteve da coroa Holandesa a concessão do monopólio do comércio de especiarias da Ásia durante um período de 21 anos.  Foi uma empresa poderosa, possuindo poderes quase-governamentais, incluindo a capacidade de fazer a guerra, aprisionar e executar os condenados, negociar tratados, cunhar a sua própria moeda e estabelecer colónias. Em termos absolutos, a empresa eclipsou todos os seus rivais no comércio da Ásia. Entre 1602 e 1796 enviou quase um milhão de europeus para trabalhar na Ásia em 4785 navios e transportou mais de 2,5 milhões de toneladas de mercadorias do comércio asiático (em contrapartida, o resto da Europa terá enviado apenas 882.412 pessoas, entre 1500 e 1795).

A empresa teve um papel ativo na criação de circuitos comerciais na Ásia, com o intuito de diminuir a necessidade de envio de metais preciosos da Europa para esta região, gerando excedentes financeiros na própria região asiática para adquirir produtos para vender na Europa. No seu apogeu, a empresa, que também esteve envolvida na “Tulipomania”, foi avaliada a preços atuais em 7,4 “triliões” de dólares (biliões europeus – a título de comparação a Apple, empresa mais valiosa do mundo atualmente está avaliada em 720 mil milhões de dólares). Esta empresa explica, parcialmente, algum do domínio financeiro Holandês e tem subjacente a ideia de como a empresa moderna e propriedade privada permitiram à Europa suplantar a China. Dirá o leitor que uma empresa com este valor certamente terá durado centenas de anos ou terá deixado um legado físico. A verdade é que a empresa faliu em 31 de Dezembro de 1799.

Uma empresa é sempre avaliada face à sua capacidade de gerar resultados no presente e da expectativa que temos de gerar resultados no futuro. Neste caso, a empresa deixou de ser capaz de produzir resultados. Por outro lado, uma empresa contabilisticamente falida (por exemplo a TAP) pode ter um valor de mercado positivo, se acreditarmos no valor dos seus ativos intelectuais (marcas, fidelidade do cliente, reconhecimento, capacidade de organização) e na sua capacidade de gerar resultados económicos positivos (que tem sido constantemente positiva). A lição desta pequena história é que nem os valores absolutos contam toda a história e que talvez (ou talvez não) o Estado português tenha feito um mau negócio no valor de venda da TAP.