Crónicas de Gestão | LIÇÕES AMARGAS

Vítor Ferreira,
Diretor Executivo da D. Dinis, Business School

Enquanto escrevo estas linhas a bolsa chinesa (o seu índice compósito Shangai) registou mais uma perda de 7,6%. O crash da bolsa chinesa é uma surpresa apenas para as autoridades chinesas e para os investidores mais desprevenidos. Na verdade, este mesmo índice registou uma subida de mais de 150% entre Janeiro de 2014 (onde se encontrava perto dos 2000 pontos) e Junho de 2015, onde atingiu mais de 5100 pontos (sendo que neste momento, o índice está ainda 50% acima do seu valor do ano anterior). Ora, uma subida de 150% no espaço de um ano, sem motivos económicos subjacentes (o crescimento da economia tinha até desacelerado), mesmo que suportado por um aumento do investimento privado no mercado acionista, não poderia mais do que sinalizar o inflar de uma “bolha”.

Os sinais mais evidentes da eminente explosão desta bolha foram as recentes notícias da desaceleração económica do país, a desvalorização ainda mais recente da taxa de câmbio do yuan, os problemas de transparência com muitas das empresas cotadas, as sucessivas descidas acumuladas desde meados de junho e, finalmente, a notícia de que o Estado Chinês se preparava para intervir no mercado (como que convencido que proibir determinadas vendas e permitir o investimento de fundos estatais no mercado poderia salvar o crash – claramente demonstrando que, apesar de todas as lições capitalistas que o país aprendeu, algumas ultrapassando os seus “mestres” ocidentais, esta foi uma das que terá ficado menos bem estudada). Quando algo se valoriza muito para além do valor subjacente esperado (e note-se que não escrevi real, porque esse é um conceito difícil de definir no mercado) não há intervenção estatal que mude a situação, sobretudo num mercado de capitais globalizado. Ainda que o mercado bolsista represente uma fatia menor da economia do que em países ocidentais (cerca de 40% do PIB versus mais de 100% em muitos países ocidentais), este crash terá consequências negativas no crescimento do país (limitando o investimento ocidental, mesmo que estes detivessem apenas cerca de 3% do índice de Shangai), uma vez que cumula com uma diminuição da produção industrial. Tem também consequências sociais ainda mais dramáticas, porque apesar de na China uma percentagem menor da população deter ações, a verdade é que o mercado tem mais investidores individuais do que no ocidente, investidores esses que, num espírito muito culturalmente coerente, decidiram investir todas as suas economias mais avultados empréstimos para aproveitar a onda de valorizações (ouvem-se os primeiros ecos de suicídios). No fundo, esta é uma das primeiras lições amargas do capitalismo que a China terá de enfrentar.