Vítor Ferreira
Diretor Executivo da D. Dinis, Business School
Uma análise recente da senadora Norte-Americana Elizabeth Warren mostrava que os salários de 90% dos menos ricos (ou dos mais pobres) da população ativa americana desceram de 1980 a 2012. Ela argumenta que a desregulação foi uma das causas por de trás deste facto, acompanhada pelo desinvestimento em infraestruturas, educação e I&D (este facto é tão mais grave quando percebemos que de 1935 a 1980 foram estes 90% que beneficiaram de 70% dos aumentos salariais no país).
Este reconhecimento do aumento da desigualdade não é novo e muitos economistas como Thomas Piketty (apesar de largamente atacados, mas pouco cientificamente contrariados) têm chamado a atenção para este fenómeno. Não sou adepto das explicações simplistas que atribuem ao modelo neoliberal a culpa deste fenómeno, já que a globalização (com a deslocação de capital financeiro e humano) e o progresso tecnológico (que originou empresas com pessoas muito qualificadas e uma horda de trabalhadores menos qualificados cujo valor de mercado desceu) também têm causado esta flutuação, mas não gosto do pensamento único, nem acredito que o atual modelo de capitalismo vendido pelos media e imposto pelas instituições nos conduza para um futuro risonho (como já vimos nestas crónicas, os mercados são a mais perfeita das soluções, exceto quando não funcionam, não incorporando expectativas de longo prazo, externalidades negativas ligadas ao impacto social e ambiental ou outros problemas de sinalização). Esta não é uma aceção ideológica, mas uma pura e cristalina constatação de que a Esquerda (presa às lutas do passado, sem consciência do desafio tecnológico) e a Direita (agarrada a modelos incompletos, com falhas e implicações negativas de longo-prazo) não estão equipadas para lidar com os desafios deste século.
Ainda mais curioso é perceber que Portugal enfrenta os mesmos desafios que o resto do mundo, quando ao mesmo tempo acabou de perder 15 anos. E se a desigualdade em Portugal parece não se ter agravado tanto como nos EUA, a verdade é que os salários médios recuaram mais de uma década (esse efeito é menos notório porque o mundo moderno nos permitiu usufruir de desinflação tecnológica e uma TV ou um litro de leite são produzidos a custos efetivamente mais baixos do que há 15 anos). São apenas notas soltas, enquanto esperamos por mais soluções governativas do passado, quer à esquerda, quer à direita.