Crónicas de Gestão | Terra queimada

Vítor Ferreira

Diretor Executivo da D. Dinis, Business School

Na passada madrugada do dia 17 de outubro estive a “ver chover”. Durante uns bons dez minutos abri a janela e, com a mesma curiosidade e espanto que tinha há mais de 30 anos, fiquei parado a ouvir as gotas de água caírem, como que deslumbrado pelo cheiro acre da chuva tardia. Chover lava a alma, dizem. Neste caso a água lavou as cinzas, mas não as mágoas de um país para sempre por concluir. Dir-se-ia que algures nestes dias, entre a tragédia, existe uma lição para aprender, mas tenho a sensação que esta vai escapar à maioria. No meio da calamidade de proporções pessoais, sociais, económicas dantescas, encontra-se uma Sociedade que falhou porque não soube acudir aos seus.  Por um lado, existe de facto (sempre existiu) um problema de planeamento estatal, um problema de ordenação de território, um problema de meios e de cortes, que teve um impacto indissipável na situação que ocorreu. O lado cego administrativo que dispensa meios porque estamos em outubro, chocou de forma brutal com a realidade ambiental. Este problema é tão grave que a sua responsabilidade não devia ser dissolvida nas cinzas ou no tempo (como temo que venha a acontecer). Por outro lado, não devemos apenas imputar culpas aos incendiários ou ao (des)Governo, sem olharmos para as responsabilidades conjuntas e individuais. Estas tímidas águas de outubro são o resultado de 150 anos de incúria ambiental, de um mundo onde não são só os governos que desgovernam, mas também cada um de nós se esquece do seu dever cívico de preservar o futuro. O dever cívico não se esgota em ajudar os bombeiros no meio do fogo, mas estende-se à limpeza prévia dos terrenos, à supressão de determinadas práticas perigosas (foguetes, queimadas, churrascos, etc.), ao cuidado com a floresta e com o ambiente, não só no curto-prazo, mas também no longo-prazo. Vivemos num mundo de inevitável aquecimento global, causado pelo somatório de todos os nossos comportamentos. Há muito a fazer, que envolve repensar o país na perspetiva político-administrativa, mas também uma alteração para comportamentos e consumos ambientalmente mais responsáveis (seja ao nível de transporte pessoal, seja ao nível dos produtos que consumimos, onde devemos assegurar que foram produzidos respeitando o ambiente). Veremos se da terra queimada renasce a verde esperança de um Portugal melhor.
Crónica publicada no Jornal de Leiria a 26 de Outubro de 2017.